Pastoreio efetivo em comunidades missionais

Renato de Oliveira Camargo Jr.

Há muitos anos, o ministério pastoral tem sido visto como uma tarefa essencialmente profissional. Ou seja, uma tarefa a ser desenvolvida apenas por pastores formados num seminário e devidamente ordenados por suas denominações religiosas, ao sagrado ministério. Essa visão teve origem no século IV d.C. quando a igreja e o estado tornaram-se um só. Naquele tempo o poder político passou a legitimar o poder religioso, e o poder religioso ao poder político.

Na reforma protestante do século XVI esse problema fui duramente criticado através da redescoberta teológica do sacerdócio universal de todos os crentes (Ex 19:5-6/ Is 61:6/ I Pe 2:9). Um fundamento que relembra o fato de que não precisamos de intermediários para chegar até Deus. Todos os cristãos, pelos méritos de Cristo (Hb 2:17/ 3:1/ 4:14/ 5:10/ 6:20/ 7:24-27/ 9:12.26/ 10:12), podem orar, confessar seus pecados, adorar a Deus, sem a instrumentalidade de um clérigo, e isto não lhes pesa desfavoravelmente.

Apesar disso, temos insistido em delegar o pastoreio de nossas igrejas à apenas alguns poucos pastores ordenados, e isto tem sido alimentado por duas demandas culturais contemporâneas. A primeira delas é a demanda pela espiritualidade mágica. Alguns religiosos não se satisfazem mais em se relacionar com um Deus transcendente, querem ter também os seus “homens santos” e os seus “objetos sagrados” sobre os quais possam depositar a sua confiança.

A segunda demanda cultura é a demanda do poder. Se por um lado alguns cristãos estão em busca de atribuir poder divino a alguns homens, por outro, alguns homens estão em busca de conquistar poder divino. Pastores ordenados gostam de serem vistos com deferência. Pastores ordenados gostam da sensação de que as pessoas precisam deles. Pastores ordenados gostam da idolatria que a centralidade neles gera.

Os danos causados por essa delegação do pastoreio a uma esfera estritamente profissional são muitos. Dentre eles cito três: a sobrecarga dos pastores ordenados (que assumem uma responsabilidade que não podem corresponder sozinhos; confira a advertência de Jetro a Moisés em Êxodo 18:14-23), o empobrecimento da vocação pastoral (que inviabiliza a atuação pastoral por pessoas que não se dedicam exclusivamente ao ministério, cerceando a liberdade do Espírito em conceder dons de forma livre e irrestrita, como vemos em I Coríntios 12:7-11), e a inviabilização da edificação da igreja (que se torna altamente passiva no desenvolvimento comunitário, contrariando os preceitos de Efésios 4:11).

Com vistas a corrigir este problema teológico precisamos nos apropriar das orientações bíblicas que sustentam o sacerdócio universal de todos os crentes e fazê-las valer, na prática, num ambiente que lhes seja propício. A meu ver os grupos pequenos, que se reúnem nos lares, constituem esse ambiente favorável devido ao seu caráter intimista e informal. Lá, todas as necessidades básicas dos cristãos (amizade, intercessão e celebração) podem ser providas pela mutualidade dos crentes (Jo 13:34; Rm 15:7; I Co 16:20; I Co 12:24-25; Ef 5:18; Ef 4:1-3; dentre outros). As necessidades intermediárias (aconselhamento, apoio nas crises, aprofundamento bíblico) podem ser providas pelos líderes de grupo (Êxodo 18:14-23). E as necessidades agudas (suporte em crises que extrapolam as condições leigas, intervenção em questões de ordem teológica, intercessão específica) podem ser providas pelos pastores ou presbíteros ordenados quando assim forem solicitados (Tiago 5:13-14).

Mas redefinir o ministério pastoral de forma compartilhada não é meramente uma questão de delegação de tarefas. A construção dessa perspectiva bíblica requer uma formação pastoral consistente que leve clérigos e leigos a entender que o ministério pastoral deve ser desenvolvido a partir do exemplo pessoal (I Tm 3;1-7), do ensino bíblico (2 Tm 2:15-17), da mentoria espiritual (Mt 9:35-36) e da intercessão contínua (Atos 6:2-4).

Que Deus nos ajude a compreender o plano que Ele tem para o funcionamento de Sua igreja e nos dê a coragem necessária para obedecê-lo em meio às fortes pressões exercidas pela tradição religiosa.